sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

UM DEDO DE PROSA

DE POETA, SONHADOR E LOUCO, TODO MUNDO TEM UM POUCO

Numa tarde de quinta-feira, conversávamos - eu e um velho amigo – sobre a necessidade de sermos todos Poetas.
Sim!... isso mesmo!.. NECESSIDADE! Pois, como bem disse Florbela Espanca, “ser poeta é ser mais alto, é ser maior do que os homens (...). É ter fome, é ter sede de Infinito!”. E essa fome, essa sede de alcançar o infinito, de ser maior que os homens são típicas do próprio ser humano, que nunca está satisfeito com a vida que tem. É típico dele, também, achar que a vida do seu vizinho é bem melhor que a sua, porém, partindo do pressuposto de que “o Sol nasce para todos; a sombra, para quem a merece”, ele nada faz para que possa merecer um lugar sob a sombra da frondosa árvore da vida.
Assim como o Poeta, também sonhamos, também divagamos, também surtamos ante os obstáculos aparentemente intransponíveis e também sentimos a necessidade de ter uma Musa que nos faça ter a certeza de que a vida não é tão somente o enfrentamento de infindas batalhas, mas também a alegria pelas inesquecíveis vitórias, sejam elas simples ou grandiosas.
MEUS VERSOS LÍRICOS

SONETO DA SAUDADE
(Joésio Menezes)

Ah, que saudade me dá
Da minha terra amada,
Daquela garota encantada
Que há muito deixei por lá.

Ah, que saudade me dá
Dos meus tempos de infância,
Dos amigos lá da Estância,
E do folclórico boi-bumbá...

Dos domingos lá na pracinha,
Da revoada das andorinhas
Anunciando o verão.

Das brincadeiras de rua,
Daquelas noites sem lua,
Das fogueiras de São João.


ADOLESCÊNCIA
(Joésio Menezes)

O vento leva meus pensamentos,
E co’eles toda minha esperança
De um dia voltar a ser criança
E renovar os meus sentimentos.

Leva também os ensinamentos:
De nos homens termos confiança,
De que o arco-íris é uma aliança,
Doutrinados nos dois testamentos...

Quando forte destrói muitos lares,
Carregando tudo pelos ares,
Deixando as pessoas sem abrigo.

Leva tudo, inclusive a saudade...
Só não leva essa minha vontade
De tê-la novamente comigo.
O MELHOR DA POESIA BRASILEIRA

O HOMEM PERFEITO
(Jô Soares)

O homem perfeito é lindo
Tem um pouco de mistério
É belo quando está rindo
E belo quando está sério

O homem perfeito é bom
Tem um jeito carinhoso
Quando fala em meigo tom
Causa arrepio gostoso

O homem perfeito é fino
É solicito, é fiel
Tem a graça de um menino
E é mais doce que o mel

O homem perfeito adora dar flores
Botões de rosa
A uma velha senhora
Ou uma jovem formosa

O homem perfeito tem a energia
Não se cansa, lava a louça
Cozinha, gosta muito de criança

O homem perfeito é sensível
A grande arte, gosta de dança e balé
Nunca há de magoar-te

Pra encerrar a preceito
Esses versos que alinhei
Se existe um homem perfeito
Ele só pode ser gay.


A UMA SENHORA QUE ME PEDIU VERSOS
(Machado de Assis)

Pensa em ti mesma, acharás
Melhor poesia,
Viveza, graça, alegria,
Doçura e paz.

Se já dei flores um dia,
Quando rapaz,
As que ora dou têm assaz
Melancolia.

Uma só das horas tuas
Valem um mês
Das almas já ressequidas.

Os sóis e as luas
Creio bem que Deus os fez
Para outras vidas.
CRÔNICA DA SEMANA

O HERÓI DA NOVELA
(Renato Maciel de Sá Jr.)

Corriam os tempos heróicos das radionovelas, audiência absoluta antes do advento da televisão. Os capítulos iam para o ar ao vivo. Ainda não eram usadas gravações.
À massa de ouvintes da Rádio Farroupilha acompanhava o dramático final de uma comovente história de amor e violência. A trama fluía emocionante. O galã, interpretado por Walter Ferreira, finalmente encontrara o odiado vilão, refugiado no último andar de um edifício:
-Ah, canalha, chegou tua hora! Prepara-te para morrer. Neste revólver está a bala que reservei para ti todos estes anos. Toma, miserável, morre!
Naquele exato momento, nos estúdios da Farroupilha, na Duque de Caxias com o Viaduto Borges de Medeiros, o sonoplasta manuseou rapidamente o disco onde as diversas faixas continham toda a variedade de sons e ruídos, como tropel de cavalos, trem andando, badalo de sino, etc. Ao invés do esperado tiro, porém, na transmissão ouviu-se o desconcertante mugido de uma vaca.
Walter consertou rápido:
-E não adianta te esconderes atrás da vaca, miserável!...

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

UM DEDO DE PROSA

SEM PALAVRAS

A exemplo dos últimos dias, hoje as palavras se recusam a sair. Talvez com medo de serem mal usadas ou com receio de não serem reconhecidas devido ao novo acordo ortográfico.
Tento uma vez, e mais outra, e outra vez mais... E nada de elas se apresentarem!
Porém, insisto!... Mas... em vão!
Elas são teimosas. Não querem sair. Relutam em “dar as caras”! Insistem em permanecer ocultas, em se esconder atrás da minha falta de inspiração, em fingir que não serão compreendidas se porventura se expuserem. Elas se limitam a ficar em silêncio...
Também sou teimoso. Sou Persistente. Mais do que elas, até...
Insisto, insisto e novamente insisto!...
Heureca!... eis aqui a primeira delas. Meio tímida, mas finalmente surge. E surge mais uma, e mais outra e outra mais.
E agora?... E que fazer com elas?
Não sei!...
As palavras demoraram tanto a surgir, que o que eu queria dizer já não mais sei o que era.
MEUS VERSOS LÍRICOS

DEVANEANDO
(Joésio Menezes)

Sou um navegante errante
guiado pelas águas frias da ilusão...
Lá no horizonte descortinado
o mar se encontra com o céu,
enquanto eu, um solitário viajante,
fixo meu olhar no infinito,
nele buscando encontrar
o sorriso da minha amada
e o cintilar dos seus olhos
navegando em minha direção.

Mas que nada!...
Apenas o gosto amargo da desilusão
é o que vejo aproximar-se de mim,
trazendo com ele a certeza
de que distante dos meus olhos
ela para sempre permanecerá.
E o meu peito, velho e cansado,
acostumar-se-á com a solidão,
cuja razão dos meus devaneios
é o fato de a amada não existir.


ANOMALIA
(Joésio Menezes)

Se dizem que sou louco,
Não me preocupo,
Pois a loucura é o cerne da mente humana,
É o lado lúdico do cérebro
Que, na sua insana lucidez,
Torna-se a anomalia do ser dito “normal”:
O homem.

Se dizem que sou tolo,
Não me incomodo,
Pois a tolice é o amálgama do cerne,
É o lado lúcido da loucura
Que, no auge da sua anomalia,
Torna o ser “normal”
Vulnerável à paixão.
O MELHOR DA POESIA BRASILEIRA

CONDOR
(Ângelo D’Ávila)

De avião, numa viagem turbulenta,
sobre os Andes, eu vi com sobressalto,
um condor a pairar num vôo bem alto,
lutando contra os ventos da tormenta.

Procurava carniças sobre o abismo,
se adernava descendo com mestria,
enfrentava o furor da ventania
sem os riscos temer do cataclismo.

Ao vê-lo assim, senti-me em parceria,
lembrando o meu labor de cada dia,
vi nele a minha luta refletida,

Pois eu no mundo sou seu companheiro,
procurando as carniças do dinheiro,
lutando contra os ventos desta vida.


ETERNIDADE
(Cecília Meireles)

Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.
CRÔNICA DA SEMANA

PODER VERBAL
(Wanderlino Arruda)

Seria a palavra o elemento de construção mais antigo da humanidade? Seria a palavra-comunicação a primeiríssima, partida da mímica primitiva de nossos já distantes ancestrais? Como teria sido realmente o primeiro balbucio do ser humano? Que tipo de tentativas pode ter havido para fixação dos referenciais entre a coisa, o ato, a ideia, em contrapartida com o som, de um lado, e a significação de outro? Digo, honestamente, que não sei. Deve ter sido interessante essa pequena experiência de alguns milhões de anos até a plena era da comunicação verbal, porque a comunicação escrita é bem mais nova, fruto do trabalho de avoengos fenícios, que gravaram na pedra os primeiros desenhos codificados. Tudo um mistério, um grande mistério, só hipóteses, só perguntas...
Outra coisa, Josebel, que eu gostaria de perguntar: você já parou alguma vez para pensar na beleza estrutural do processo de comunicação entre os seres, que nós, por costume, chamamos de humanos? Tem você alguma ideia de como uma criança aprende e desenvolve a capacidade de falar, de transmitir os primeiros recados? Pode imaginar quão maravilhosa é a estruturação do mundo mental de cada criatura, em relacionamento direto com o de todos os outros? Já pensou quão interessante é a formação desse universo ideológico, formador de clãs, de sociedades, de povos? Pense um pouco nisso tudo, Josebel. Pense, porque ao pensar você já está colocando em prática e elaborando um precioso processo de comunicação.
Agora, você me pergunta: para que preocupar-se com estas coisas? Já não basta a dificuldade da vida, geradora e multiplicativa de outras dificuldades? Para que a dissecação de sistemas? Para que tantas formulações teóricas? Saber ou não saber filigranas do funcionamento melhora a vida, aumenta a nossa felicidade? Pragmaticamente, você poderá dizer: dá mais “status”, dá ibope, rende juros e correção monetária no conceito cultural e social?
E, mudando de parágrafo, eu respondo. Respondo, é verdade, com menos sabedoria e com mais humildade do que faria o meu amigo Espinosa. Cultura, Josebel, como sorriso, toda hora que chega, é como chuva, é como dinheiro, e chega em boa hora. Cultura é coisa de valor real que ninguém nos pode tirar. O homem, animal comunicador por excelência, único ser do mundo capaz de transmitir e explicar conhecimentos adquiridos, vive melhor quando racional e consciente, quando mergulhado na fé do seu próprio valor e na esperança do seu progresso futuro.
Se vivemos em sociedade e, como dizem os colegas da crônica social, em sociedade tudo se sabe, mesmo não sendo “vip”, uma culturazinha sempre será bem vinda. Afinal, nem só de pão vive o homem...

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

UM DEDO DE PROSA

PRELÚDIO SOBRE A SAUDADE - II

Meses atrás, escrevi aqui que às vezes sinto saudades de um tempo que nunca vivi (se é que vocês me entendem!...).
Minha esposa diz que gostaria de entender como posso eu sentir saudades de uma época que não foi a minha, da qual nunca fiz parte; de um tempo distante do meu...
Não sei explicar!... Sei apenas que quando assisto a um filme de época (principalmente se for romântico), é como se eu estivesse lá, misturando-me às personagens; fazendo parte do elenco; vivendo naquele período; curtindo a nostalgia da época, adequando-me ao tempo, consumindo-me de saudades...
Me senti assim quando assisti às mini-séries globais "Anos Rebeldes" e "Anos Dourados". Talvez pelo fato de eu considerar-me um Romântico fora de época, um nostálgico assumido, um apaixonado inconsequente, um admirador dos tempos idos, alguém perdido no tempo cujos ideais muito se parecem com os daqueles que viveram aquela época...
Reitero o que disse naquela ocasião: tudo isso não quer dizer que eu não goste do HOJE, mas a impressão que se dá é a de que o ONTEM é muito mais interessante e bem mais apaixonante.
MEUS VERSOS LÍRICOS

QUANDO A SAUDADE INVADE
(Joésio Menezes)

Quando a saudade invade
o coração da gente,
o corpo todo sofre
e o peito logo sente
um fogo cujo ardor
assemelha-se ao dissabor
de ter a amada ausente.

Quando o coração da gente
é tomado pela saudade,
uma sufocante dor
nosso peito logo invade
feito o fogo da paixão
que nos queima em profusão,
sem demonstrar piedade...

Quando essa tal saudade
invade nosso coração,
o corpo fica debilitado
e a mente em confusão.
Mas quando ela inexiste,
não há nada mais triste
na vida de um cristão.


FOGO
(Joésio Menezes)

Teu fogo queima meu corpo,
Aquece minh´alma,
Esquenta meu ser,
Afogueia meus anseios,
Incinera meu pudor,
Abrasa minha libido,
Inflama meu tesão,
Ferve meu sangue,
Derrete meu juízo...
Acende meu fogo.
O MELHOR DA POESIA BRASILEIRA

SAUDADE
(Adenir Oliveira)

Saudade, porque me deixas?
Saudade, porque te vais?
Saudade de um amor,
Saudade não passa mais.

Saudade foi de mansinho,
Deixou-me na solidão
Saudade, minha companheira,
Não abandones meu coração.

Um dia a saudade volta
E começa tudo novamente:
Meu coração a chorar
E a saudade seguindo em frente.

A saudade anda no ritmo
Do giro de nosso mundo,
Ela vai e volta sempre
Deixando um vazio profundo.

Assim mesmo, prefiro a saudade
À dor da solidão,
Pois ela enche-me de lembranças
Dando forças ao meu coração.


RAZÃO
(Geralda Vieira)

Será que para viver
É preciso ter razão?

Será que para morrer
É preciso ter perdão?

Será que para sorrir
É preciso ser feliz?

Será que para chorar
Tem que viver na solidão?

Será que tudo isso
É a vida do cristão?
CRÔNICA DA SEMANA

DE COSTAS O ROSTO É BUNDA
(Vitalves, in www.vitalves.com)

De costas o rosto é a bunda, para muitos o rosto é a própria bunda, para outros o rosto é uma bunda, seja como for, a bunda prevalece!
A bunda merece o status que tem, convenhamos: “Não há nádegas melhor que uma boa bunda”.
Uma divisão de glúteos que se forma em um todo, grande responsável pela existência humana na terra, atiça a reprodução do homem, enfeitiça, enlouquece, adormece...
E o melhor, todos temos uma (uns mais que os outros, tudo bem), a diferença está em como a usamos, você já parou pra pensar em como você usa a bunda?
Pois vejam só, o mundo hoje gira em torno da bunda: Arte só faz sucesso se tiver bunda, bunda é o maior barato entre os jovens bundas, os meninos bundas não falam em outra coisa, as meninas bundas também não, nas TVs bundas só há programas bundas apresentados por bundas que só mostram bundas ( e no intervalo tem bunda!), nos telejornais notícias dos políticos bundas com a cabeça na bunda (e bunda na cabeça), nas Rádios bundas só tocam bundas que só falam de bunda pra vaga bunda dançar, e o show bunda tem que continuar, nos outdoors bundas com seus textos bundas, nas revistas bundas com caras e bundas, nos jornais bundas com notícias bundas (Ih! Até nos Classificados bundas, quem quer comprar bunda?).
A bunda só é assim tão valorizada porque existem pessoas bundas, aculturadas e com o cérebro na bunda!

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

UM DEDO DE PROSA

E O ANO NOVO CHEGOU...
2012 chegou!... e com ele, os velhos e já conhecidos problemas de outrora, decorrentes das chuvas que não são a principal causa das frequentes tragédias anunciadas.
Todo ano a história se repete: alagamentos, enchentes, desmoronamentos de encostas, desabamentos de casas, centenas de milhares de desalojados e desabrigados, inúmeros mortos e promessas e mais promessas de soluções imediatas e preventivas a fim de que isso não mais ocorra, entretanto, apenas o ano mudou...
O discurso dos governantes e das autoridades competentes é sempre o mesmo: “vamos buscar recursos financeiros junto ao Governo Federal para minimizar o sofrimento dessa pobre gente”.
Que esses recursos são liberados todos nós sabemos!... Mas, em que e de que forma são aplicados?
O certo é que essa sofrida gente só pode contar mesmo a ajuda de Deus e com a solidariedade do restante da população não atingida pelas catástrofes naturais, que se mobiliza e arrecada donativos para as famílias desabrigadas e desalojadas, e - na medida do possível – faz mutirões na limpeza de algumas casas e na reconstrução de outra. Já o conforto e a reconstrução psicológica de cada indivíduo vitimado pelas cheias do início do ano ficam a cargo Dele.
MEUS VERSOS LÍRICOS

MEUS OLHOS
(Joésio Menezes)








Meus olhos, secos como deserto,
Lágrimas não produzem mais
Nem choram dores irreais,
Assim, do lamento me liberto.

Eles mantêm-se abertos
Às maravilhas universais,
Mas às questões emocionais
Seu pranto é quase incerto.

Não mais choram por coisas quaisquer,
Nem mesmo pelo desprezo da mulher
Que insiste em não falar comigo...

Meus olhos choram somente
Pelo que o meu coração sente:
A falta daquele ombro amigo.


VERSOS EM SILÊNCIO
(Joésio Menezes)

Antes que no céu surgisse a Lua,
Meus versos calaram-se de repente.
E esse silêncio, aparentemente,
Foi provocado pela ausência tua,

Pois desde que de nós te despediste
Meus versos encheram-se de saudade
E, perdidas na taciturnidade,
Ouvi suas rimas soarem tristes.

Mas o silêncio logo foi quebrado
Quando a mim foram solicitados
Aqueles versos de rimas sonoras...

Peço-te, então: considera atendido
Esse teu irrecusável pedido
E lê os versos que te fiz, agora!...
O MELHOR DA POESIA BRASILEIRA E UNIVERSAL

AS SEM-RAZÕES DO AMOR
(Carlos Drummond de Andrade)

Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.


DEDUÇÃO
(Vladimir Maiakóvski)

Não acabarão nunca com o amor,
nem as rusgas,
nem a distância.
Está provado,
pensado,
verificado.
Aqui levanto solene
minha estrofe de mil dedos
e faço o juramento:
Amo
firme,
fiel
e verdadeiramente.
CRÔNICA DA SEMANA

O RÁDIO APAIXONADO
(Moacyr Scliar)

Minha querida dona, sei que você anda se queixando de mim, publicamente, até. Você não pode imaginar o sofrimento que isto me causa, mesmo porque você provavelmente acha que rádios são objetos inanimados, sem vida própria.
Você está enganada. Ao menos no meu caso, você está enganada. Ao contrário do que você pensa, tenho sentimentos, tenho emoções. É em nome desses sentimentos e dessas emoções que lhe falo agora, tanto em AM como em FM. Na verdade, eu nem tinha tomado conhecimento de minha própria existência, até que fui instalado em seu carro.
Você estava muito feliz; tinham lhe dito que minha marca é ótima, e que você contaria com um som maravilhoso para lhe ajudar no estresse que é esse trânsito. E, eu colocado no meu lugar, você me acariciou, você tocou os meus botões. Senti um verdadeiro choque, eu que já deveria estar acostumado com eletricidade. Você fez de mim um ser vivo.
Vivo e apaixonado. Daquele momento em diante, passei a ansiar por sua presença. Era para você que eu queria transmitir as melodias que recebia por meio de tantas canções. Você ao volante, minha felicidade era completa.
Acontece que você não se deu conta disso, ou fingiu que não se dava conta disso. Você me ligava, você sintonizava uma emissora qualquer e pronto, voltava à sua vidinha. Pior: tratava-se de uma vidinha partilhada. Amigas embarcavam em seu carro. Amigos também. Você conversando com um homem, aquilo me dava ciúmes, ciúmes terríveis. O Bentinho, do Machado de Assis, aquele que desconfiava da Capitu, não sofreu tanto. Lá pelas tantas eu tinha ciúmes até do seu MP4.
Agora: o que poderia eu fazer? Humanos têm como demonstrar seus ciúmes, têm como descarregar a frustração. Mas eu sou um rádio, um bom rádio, mas rádio, de qualquer maneira. A mim não estava facultado fazer cenas. Recorri, então, àquilo que estava a meu alcance: o som.
Quando você estava com alguém de quem eu não gostava, eu aumentava meu volume -e volume, você sabe, é coisa que não me falta- até chegar a níveis insuportáveis, uma avalanche de decibéis. E aí, subitamente me calava. Para lembrar a você que o silêncio também fala, especialmente o silêncio dos traídos. Ah, sim, e queimei o seu MP4. Tinha de queimar: era ele ou eu.
Você foi se queixar com um técnico, achando que eu estava desconfigurado. Num certo sentido você está certa: estou desconfigurado, estou desfigurado, estou perturbado -mas tudo isso por causa do sofrimento que você me causou.
Querida dona, estas são minhas derradeiras palavras, antes de sair definitivamente do ar, antes do silêncio final. Minha última mensagem é esta: nunca brinque com os sentimentos de um rádio apaixonado. Você vai ter, no mínimo, surpresas desagradáveis.